O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é a referência básica de cobertura mínima e obrigatória, que deve ser disponibilizada pelos planos privados de assistência à saúde, sendo aplicável àqueles contratos aderidos a partir de 1º de janeiro de 1999, bem como aos adaptados à Lei nº 9.656/1998[1].
A finalidade do estabelecimento de um rol de coberturas é a de garantir e tornar público o direito de assistência aos beneficiários dos planos de saúde, bem como conferir ao mercado de saúde suplementar uma previsibilidade dos custos para sua subsistência.
Nesse sentido, cabe esclarecer que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão competente para regular e disciplinar os assuntos que contornam a saúde privada define, de forma expressa, que essa lista de coberturas obrigatórias é taxativa, vejamos:
“Resolução Normativa nº 465/2021
art. 2º – Para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta Resolução Normativa e seus anexos, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde.”
Portanto, as operadoras de planos de saúde possuem – de acordo com as determinações de seu órgão regulador – a obrigação de cobrir os procedimentos previstos na Resolução Normativa nº 465/21 e anexos, bem como aquelas constantes em seus contratos.
Ocorre que o setor de saúde enfrenta um dos piores cenários da história[2]. Além dos esforços para recuperação de um estado pandêmico, o orçamento[3] econômico país – que sempre foi desenhado para destinar os maiores recursos para saúde – tenta se equilibrar a fim de garantir assistência aos cidadãos de forma eficiente.
Nesse contexto, o sistema de saúde suplementar também tem sido impactado, não só pela deficiência de políticas públicas que fomentam o acesso à saúde pública, mas também por problemas de mercado e interferências políticas e judiciárias, em sua maioria usurpadoras da competência técnica da ANS.
Um desses problemas é justamente a flexibilização da taxatividade do Rol de Procedimentos e Eventos, que traz falta de previsibilidade e segurança jurídica, que por sua vez impacta a sustentabilidade do setor.
Além da nova atribuição de natureza exemplificativa do rol trazida pela Lei nº 14.454/22[4], outros impactos se observam, tais como a imposição de coberturas extraordinárias através de manobras judiciais e por via de outros projetos de lei que buscam a relativização da Lei nº. 9.656/98 – LPS[5].
A mais recente interferência nas diretrizes regulatórias tratou sobre a incorporação de procedimentos através da publicação da Lei 14.454/22, que alterou a LPS, para estabelecer critérios que impõe a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos, ora disciplinado pela ANS.
Embora a Lei 14.454/22 se intente, em tese, para uma análise mais abrangente de incorporação de novas tecnologias nos produtos de saúde suplementar, o legislador não definiu os critérios para que essa flexibilização do Rol acontecesse de forma clara e objetiva.
Isso porque, dentre outras disposições, a nova legislação ao alterar o disposto no artigo 10 da Lei 9.656/98, trouxe a seguinte redação:
“art. 10 (…)
I – exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II – existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”
Pode-se depreender do texto legal que para garantir a cobertura além daquelas previstas no Rol de Procedimentos definido pela ANS, deverá ser comprovada junto com a solicitação médica, a eficácia do tratamento com evidências científicas e que exista recomendação – do tratamento ou tecnologia – de, ao menos, 1 órgão de renome internacional.
Todavia, diante do conceito aberto e não regulamentado, resta praticamente impossível cumprir a nova legislação, do que se questiona:
É evidente que existem lacunas que necessitam ser preenchidas para que a Lei[6] seja efetiva ao seu destinatário, exequível pelas próprias operadoras de planos de saúde e passível de fiscalização por parte da ANS.
O desrespeito a natureza taxativa do Rol de Procedimentos afeta todo o sistema de saúde privada, impondo prejuízos financeiros que refletirão diretamente nos usuários. Isto porque, para que o mercado consiga garantir a assistência não prevista em cálculos atuariais prévios à oferta do próprio produto de plano de saúde, à luz do mutualismo, que é o princípio base do setor de saúde suplementar, certamente haverá maior onerosidade ao beneficiário e quiçá diminuição do acesso.
Note, é um ciclo. O custo com as coberturas assistenciais extra rol ensejará maior reajuste dos valores de mensalidades tornando menor o acesso à saúde privada. Com o acesso dificultado haverá natural migração de público para o Sistema Único de Saúde (SUS), que como é sabido, não faz frente à demanda atual.
A saúde suplementar carece de posicionamento emergencial sobre o tema “Rol de Procedimentos e seus deslindes na sustentabilidade da assistência à saúde privada”, sendo indispensável a intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), vez que é o órgão responsável pela regulamentação do mercado para correção do cenário de insegurança jurídica instalada.
A regulamentação de disposições da Lei 14.454/22 é salutar, trará menor judicialização e conduzirá maior segurança jurídica a todos os atores do mercado de saúde suplementar.
Portanto, o que se espera é o respeito da competência funcional da ANS instituída pela Lei 9.961/00[7], e que nenhum outro poder seja por clamor popular ou outros interesses usurpe uma função técnica de instituição que conhece o mercado de saúde suplementar e tem capacidade de adotar medidas harmônicas com o segmento com olhas de impactos de forma geral.
Autora: Dra. Pamela Sposito – Advogada M3BS
[1] BRASIL. Resolução Normativa nº 470/21. Dispõe sobre o rito processual de atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, no âmbito da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
[2] BARRETO, ML. Esboços para um cenário das condições de saúde da população brasileira 2022/2030. In FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. A saúde no Brasil em 2030 – prospecção estratégica do sistema de saúde brasileiro: população e perfil sanitário [online]. Rio de Janeiro: Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2013. Vol. 2. pp. 97-120.
[3] https://www.portaldatransparencia.gov.br/funcoes/10-saude?ano=2022
[4] BRASIL. Lei 14.454/22. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
[5] BRASIL. Lei 9.656/98. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
[6] BRASIL. Lei 14.454/22. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde, para estabelecer critérios que permitam a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar.
[7] BRASIL. Lei 9.961/00. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e dá outras providências.
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