I – INTRODUÇÃO:
O Entendimento DIFIS é um instrumento oficial da Diretoria de Fiscalização – DIFIS para a fixação e uniformização das ações fiscalizatórias, na forma da IN nº 12/2016-DIFIS. Compõe o processo de construção a abertura de prazo para agentes de fiscalização de todo o país contribuírem ao debate, trazendo experiências do dia a dia da fiscalização, consideradas para fins de análise da versão final a ser publicada.
A Diretoria de Fiscalização – DIFIS tem recebido diversas correspondências por meio das quais o mercado regulado argumenta pela possibilidade de utilização de meios eletrônicos para cumprir com a obrigação da notificação por inadimplência prevista no art. 13, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.656/98. Como principais pontos, pondera a realidade do avanço tecnológico dos últimos tempos; a existência de experiências no direito comparado; e o próprio reconhecimento da ANS quanto a essa modernização por meio da edição de normativos recentes.
Sobre o assunto cumpre, inicialmente, apontar para a própria redação do dispositivo legal e também para a existência da Súmula Normativa nº 28, de 30 de novembro de 2015.
Transcorridos aproximadamente 4 (quatro) anos da edição da referida Súmula, a tecnologia da informação se desenvolveu consideravelmente, de forma que atualmente existem diversos meios de comunicação eficazes, capazes de atender à finalidade pretendida, qual seja, dar oportunidade de reestabelecer a regularidade contratual, de forma que o beneficiário possa sanar o débito a tempo, se for o caso, compreendendo, com clareza, o risco decorrente da inadimplência.
Busca-se aqui a possibilidade de notificação do beneficiário por ferramentas mais modernas de comunicação, que de forma mais eficaz e célere atingem, efetivamente, a mesma finalidade das notificações postal, presencial e por edital, indicadas pela Súmula nº Normativa nº 28, de 30 de novembro de 2015.
Para tanto, considerando o caráter norteador que circunda o entendimento, respeitados os limites estabelecidos na Instrução Normativa – IN/DIFIS nº 12, cumpre orientar a fiscalização quanto as condições para serem considerados válidos outros meios de notificação de inadimplência, enquanto não for editada Resolução Normativa para disciplinar completamente a matéria.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
A Súmula Normativa nº 28/2015 estabeleceu algumas possibilidades de notificação, sem, contudo, se manifestar acerca da via eletrônica. Considerou válidos os meios de notificação via postal, por meios próprios ou por edital, esta última na hipótese extrema de o consumidor não ser localizado no endereço informado à operadora. Por outro lado, é certo também que a própria redação do art. 13, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.656/98 foi abrangente, exigindo que “o consumidor seja comprovadamente notificado”.
Por sua vez, a Instrução Normativa – IN DIPRO nº 23/2009, que dispõe sobre o manual de elaboração de contratos de planos privados de assistência à saúde, também é silente quanto a esse ponto.
Com efeito, quando do processo de construção da Súmula, havia carência de informações sobre os meios de comunicação digital, o que inviabilizou o avanço da proposta nesse ponto. Chama-se ainda atenção para o fato que a proposição surgiu da realização de amplo debate em Câmara Técnica, com a participação da DIFIS, de instituições do setor regulado, de órgãos defesa do consumidor e do Ministério Público Federal, ocasião em que, já naquela época, estabeleceu-se consenso quanto à possibilidade de utilização dessas novas tecnologias.
Na ocasião, ante a necessidade de maior amadurecimento, adotou-se a posição no sentido que o assunto fosse tratado de forma mais detalhada e abrangente, o que até a presente data não ocorreu. Fato é que nesse tempo, alternativas de comunicação foram sendo ainda mais desenvolvidas e consagradas não podendo ser simplesmente ignoradas, ainda mais quando os avanços tecnológicos disponíveis se demonstram capazes de afirmar, com segurança, a ciência da parte notificada, afigurando-se, portanto, juridicamente possível.
Nesse contexto, a Diretoria de Fiscalização enquanto aplicadora da norma na qualidade de autoridade decisória em sede de 1ª instância em processos administrativos sancionadores deve preencher as lacunas existentes, ainda mais considerado o tempo em que a omissão permanece. A fundamentação da atuação necessária do julgador diante da omissão decorre do art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, in verbis: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Conforme será demonstrado a seguir, todos os métodos de integração normativa previstos no art. 4º estarão atendidos, ampliando, portanto, a segurança na aplicação por parte dos agentes de fiscalização.
A partir dos métodos integrativos citados, o primeiro ponto que merece comparação (analogia) se refere aos normativos recentes, ou seja, todos após a edição da Súmula Normativa nº 28/2015, elaborados por essa Agência Reguladora, que inovam em relação aos meios de comunicação aceitáveis:
Resolução Normativa nº 413/2016, que dispõe sobre a contratação eletrônica de planos privados de assistência à saúde. Admite como forma de comunicação o endereço de e-mail cadastrado pelo interessado.
Resolução Normativa nº 412/2016, que dispõe sobre a solicitação de cancelamento do contrato do plano de saúde individual ou familiar, e de exclusão de beneficiário de contrato coletivo empresarial ou por adesão. Expressamente prevê que o cancelamento pode ser solicitado presencialmente, por atendimento telefônico ou, ainda, pela internet.
Resolução Normativa nº 424/2017, que dispõe sobre critérios para a realização de junta médica ou odontológica formada para dirimir divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos de assistência à saúde. Não traz o regramento sobre como deve se dar a notificação da formação da junta; aceitando qualquer meio que ateste a ciência pelo profissional assistente e o beneficiário. Ainda, dispõe que as notificações entre operadora, profissional assistente, desempatador e beneficiário poderão se dar por meio de Aviso de Recebimento – AR, telegrama, protocolo assinado pelo profissional assistente ou seu subordinado hierárquico, ligação gravada, por email com aviso de leitura ou outro veículo de comunicação que comprove sua ciência inequívoca.
Assim, infere-se que a própria Agência já reconheceu a necessidade de o mercado se adequar a novos formatos de comunicação disponíveis, amplamente difundidos e utilizados em todas as searas sociais.
Chama-se especial atenção para a cláusula aberta inaugurada pela Resolução Normativa nº 424/2017 (RN da junta médica), a qual autoriza a realização de comunicações por qualquer veículo suficiente a comprovar ciência do destinatário. 16. Ainda no âmbito da analogia, sobre os novos formatos, temos que a validade da notificação extrajudicial por e-mail já foi inclusive reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, eis que é um meio capaz de atestar a data do envio e do recebimento, a identificação do emissor é segura, o conteúdo fica registrado, e, ainda, é um instrumento habitual de comunicação, que cumpre a finalidade essencial do ato (REsp 1545965/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 30/09/2015).
Outrossim, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou por unanimidade a utilização do aplicativo WhatsApp como ferramenta para intimações em todo o Judiciário, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Procedimento de Controle Administrativo – 0003251-94.2016.2.00.0000). O uso do aplicativo de mensagens foi visto como adequação do procedimento de tramitação processual às novas tecnologias, de forma a contribuir para a entrega da tutela jurisdicional em tempo hábil.
O ato que embasou essa mudança de paradigma baseou na Portaria n.º 01/2015, elaborada pelo Juizado Especial Cível e Criminal de Piracanjuba em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil daquela cidade. A iniciativa inovadora foi homenageada no Prêmio Innovare de 2015, que busca identificar, divulgar e difundir práticas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil.
Se não houver a confirmação de recebimento e leitura da mensagem pela parte, a secretaria da unidade judiciária providencia a intimação pela via convencional. É semelhante ao que ora se propõe. A permissão para se valer de meios mais modernos de comunicação encontra limite no rigor exigido para a notificação por inadimplência: só se admite meios alternativos se, de fato, puder certificar que a mensagem chegou ao destinatário e que este tomou conhecimento. Caso contrário, a operadora deve seguir os meios tradicionais de notificação, já abordados pela Súmula Normativa nº 28, de 30 de novembro de 2015.
Prosseguindo no cenário legal, inclusive por meio de normas que entraram em vigor posteriormente à edição da Súmula, o Novo Código de Processo Civil inova e atribui força probatória aos documentos eletrônicos, nos termos do art. 441 da Lei 13.105, de 2015. Nessa esteira cita-se também a Lei 13.874, de 2019, denominada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que, reforçando a livre iniciativa, estimula a inovação e adoção de novas tecnologias pela administração pública.
Os costumes se justificam pela popularização do acesso à Internet, computadores, telefones celulares, enfim a transformação no modo de agir e pensar da sociedade em geral.
Adicionalmente, as próprias iniciativas citadas no tópico anterior demonstram a evolução de notificação por outros meios, corroboram a configuração de costume.
Dada a evolução tecnológica, a permissão de utilização de outros meios de comunicação para fins de notificação também encontra amparo em diversos princípios gerais de Direito.
Primeiramente, diversos princípios esculpidos no art. 2º da Lei nº 9.784/1999 como razoabilidade e proporcionalidade, detalhados a seguir, em seu parágrafo único: “Art. 2º (…)Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
(…) VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;”.
Sobre os dispositivos supracitados, cabe ainda ressaltar que até mesmo nos moldes tradicionais de notificação (correio) a ciência do recebimento da notificação é presumida, salvo no caso de entrega em mãos próprias. Essa presunção está prevista na própria Súmula nº 28/2015, conforme segue:
“3. No caso de notificação por via postal com aviso de recebimento, entregue no endereço do consumidor contratante, presume-se, até prova em contrário, que o consumidor contratante foi notificado, não sendo necessária sua assinatura no aviso de recebimento.”
Da mesma forma, a presunção, com admissão de prova em contrário, ocorrerá na notificação por meios compatíveis com o avanço tecnológico.
Ainda, o espírito da recém editada Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, já mencionada anteriormente, vai também ao encontro da ampliação das possibilidades de meios de notificação quando aponta o seguinte princípio norteador:
“Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:(…)
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e”.
II.4 – MEIOS DE COMPROVAÇÃO DA NOTIFICAÇÃO ADMITIDOS PELA DIRETORIA DE FISCALIZAÇÃO
Assim, no exercício da atividade de fiscalização será aceita a utilização dos seguintes meios de comprovação, além dos meios já citados na Súmula nº 28/2015:
É notório que existem outras tantas formas de comunicação além das previstas acima; mas objetivando garantir a segurança na aplicação pelo fiscal, o rol acima é taxativo para fins de fiscalização.
Os critérios adotados para fixar esse rol foram:
Melhor explicando cada um dos meios admitidos, e-mail com certificado digital é assinado digitalmente e a mensagem é encaminhada criptografada ao seu destinatário. Há a comprovação de envio, recebimento e leitura da comunicação, além de garantia da integridade do seu conteúdo. Esta funcionalidade está disponível em programas e serviços nas mais variadas plataformas.
Por sua vez, e-mail com confirmação de leitura atesta que a mensagem foi aberta pelo destinatário, por meio de uma notificação enviada ao e-mail do remetente quando o destinatário abre a mensagem. Por ser um instrumento mais simples que o e-mail com certificado digital, importante que a operadora guarde como prova tanto o e-mail encaminhado quanto o recibo de leitura.
Sobre os aplicativos de troca de mensagens, a notificação só será considerada válida se estiver ativo o recurso que identifica a visualização da mensagem e ainda, tendo em vista a necessidade de monitoramento de data(s), conforme o inciso II, parágrafo único, do art.13 da Lei nº 9.656/1998, no documento probatório deverá constar expressamente a data da leitura, sob pena de restar inviabilizada a fiscalização. No mesmo sentido, não se pode abrir mão que o número do telefone seja mencionado expressamente na documentação comprobatória.
Isso significa, por exemplo, que não bastará tão somente a necessidade de comprovação dos dois riscos coloridos do Whatsapp/Telegram ou a coloração diferente que o Messenger atribui à mensagem quando esta é lida. Sendo a mensagem encaminhada para o número de telefone cadastrado pelo beneficiário titular, confirmada a leitura pelos recursos próprios de cada aplicativo, e preenchidos os demais requisitos de menção expressa da data da leitura e número de telefone cadastrados, considera-se que a notificação foi regular. Importante que fique claro também que se o usuário desabilitou a confirmação de leitura, a mensagem não servirá como prova.
Sobre a ligação gravada, admite-se tanto a pessoal quanto aquela realizada pelo sistema informatizado URA – Unidade de Resposta Audível. Em ambos os formatos, a ligação deve ser direcionada ao número de telefone cadastrado no banco de dados da operadora, com confirmação de dados pelo interlocutor.
Sobre o torpedo (SMS) com aviso de leitura pelo destinatário, trata-se de recurso capaz de identificar se a mensagem foi lida por meio de resposta emitida pelo receptor. Ao final da mensagem, a operadora deve solicitar a resposta ao SMS, de modo que o silêncio inviabiliza esse meio de notificação. Em outras palavras, não se trata simplesmente do “relatório de entrega”, eis que não permite identificar a ciência do beneficiário titular, mas, somente, a entrega da mensagem. A notificação só será considerada válida se for encaminhada ao número de celular do beneficiário titular cadastrado no banco de dados da operadora e o receptor da mensagem responder confirmando a ciência.
Em todas as possibilidades acima, a comunicação deve reproduzir fielmente o conteúdo exigido pela Súmula Normativa nº 28/2015
Esses novos mecanismos proporcionam redução dos custos de impressão e alta capacidade de armazenamento, além de mitigar demoras e custos desnecessários na tentativa de localizar o beneficiário titular. Não deixa de lado também os elementos que compõem os documentos tradicionais, preservando-se as funções comunicativa e probatória.
Não é demais reforçar que a Lei 9.656/98 exige a comprovação da notificação por inadimplência, de modo que cabe à operadora o ônus da prova e da demonstração de que deu conhecimento ao beneficiário titular sobre a situação de inadimplência, deixando claro as consequências daí advindas. Salienta-se o zelo que a operadora deve ter na utilização dos novos meios, compreendendo-se a presunção relativa da comunicação.
Em prosseguimento, considerando os formatos em que a comunicação é destinada a um endereço de e-mail ou a um número de telefone, a fim de assegurar que é realizada com o destinatário correto, o conteúdo da mensagem deve ser capaz de identificar, categoricamente, a pessoa com quem se relaciona; contendo informações mínimas como nome completo e CPF do responsável.
Na situação sob exame, tratando-se de notificação que antecede o fim da relação contratual, importante também que seja dado conhecimento à parte interessada acerca da possibilidade de ser notificada por um dos meios previstos no item 28 do presente Entendimento, visando à transparência e ao direito de informação.
A demonstração que foi dado conhecimento prévio é essencial, eis que não se admite surpresa para o contratante. Por essa razão, para fins do Entendimento, que se propõe a uniformizar as ações dos agentes de fiscalização, avisos e alertas em sites, aplicativos ou outras ferramentas semelhantes não serão admitidos como prova desse conhecimento prévio. Para tanto, revela-se necessário que a comunicação prévia acerca dos possíveis meios de notificação em caso de inadimplência que enseje a rescisão unilateral seja personalizada, ou seja, por aditivo contratual, via postal com aviso de recebimento, presencial ou pelos meios elencados no item 28, estes na forma ali prevista.
Essa comprovação deve fazer parte do conjunto probatório. Todavia, ainda que não tenha sido dado conhecimento prévio, quando o beneficiário titular interagir respondendo à notificação, haverá o suprimento da omissão anterior, eis que a comunicação terá atingido os fins a que se pretende.
III – CONCLUSÃO:
Por todo o exposto e fundamentado, conclui-se que para fins de atividade fiscalizatória, serão aceitos como válidos, além dos meios tradicionais previstos na Súmula Normativa nº 28/2015, os meios dispostos no item 28 do presente Entendimento; respeitadas as ponderações referentes ao conteúdo da mensagem e à correta identificação do destinatário.
Devem compor o conjunto probatório:
Ausente a confirmação de leitura ou ciência por meio de gravação da notificação, deverá ser procedida outra notificação na forma ordinariamente prevista pela Súmula Normativa nº 28/2015.
O presente entendimento se aplica para os casos concretos que ocorrerem dessa data em diante.
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